Brincar: Um direito e um dever!… Brincar é aprender!

Na perspectiva da Terapia Ocupacional:

Brincar é o “trabalho” ou a “ocupação” da criança, para desenvolver a coordenação motora, maturidade emocional, competências sociais ao interagir com outras crianças, e a autoconfiança para experimentar coisas novas e explorar novos ambientes. (definição segundo a Associação Americana de Terapia Ocupacional-AOTA)

Brincar é uma atividade livremente escolhida, intrinsecamente motivada e individualmente dirigida pela criança. Enquanto brinca, não está apenas a ocupar o tempo, está também a dar asas à sua imaginação, conseguindo ser um super-herói, ou princesa, um polícia, qualquer animal ou até uma sereia. Esta criatividade é essencial para a aprendizagem de conceitos abstratos, para a aquisição de vocabulário e da capacidade de socializar, ao brincar com os seus pares, pais e cuidadores.

Brincar é então um assunto sério, tão sério que, já em 1959, na Declaração Internacional dos Direitos da Criança, se pode ler: “Brincar é um direito inegável, independentemente do lugar do mundo e das circunstâncias em que vivamos”. Em 1989, foi ainda aprovada a Convenção sobre os Direitos da Criança, onde se reforça a ideia de que a infância é um período merecedor de proteção e promotor da aprendizagem, da brincadeira e do desenvolvimento com toda a dignidade.

Se restavam dúvidas, deste modo, é mais do que assumido que Brincar é um DIREITO, uma mais-valia e uma oportunidade para as crianças apreenderem o sentido do mundo à sua volta. Brincar não deverá ser um privilégio, mas antes uma necessidade!

Passados estes anos, tem sido realizados vários estudos científicos, que demonstram a importância que esta ocupação tem no desenvolvimento, a vários níveis.No entanto, tem-se constatado que as crianças brincam cada vez menos, e as consequências começam a notar-se. 

Resultados de vários estudos internacionais, conduzidos por investigadores de diversas áreas, indicam que parece existir uma relação entre a diminuição do tempo dedicado a brincar e o aumento de comportamentos agressivos extremos em crianças pequenas;

Crianças de 5 anos que frequentam jardins-de-infância onde se privilegiam atividades académicas e o ensino formal da leitura, em detrimento de atividades de brincadeira, não evidenciam tantos ganhos assim no desenvolvimento das competências de literacia, a longo prazo; já em locais onde a brincadeira é a principal escolha, as crianças têm mais sucesso académico e pessoal, a curto e longo prazo.

Em Portugal, 70% das crianças em idade escolar brincam menos de uma hora por dia. Estas passam, em média, cerca de 45 a 50 horas na escola, das quais 35 sentadas, com recreios de 5 a 10 minutos e com demasiadas actividades extra-curriculares. Alguns autores acrescentam que, de há vários anos a esta parte, as crianças tinham mais liberdade para brincar e havia mais espaços para o efeito.

Certamente, muitos de nós somos do tempo em que brincávamos na rua, em grupo, durante várias horas até a nossa mãe nos chamar. Esta situação já não se observa, devido à insegurança nas ruas, o que faz com que, para algumas crianças, os espaços para brincar se cinjam às escolas.

O avanço tecnológico, ritmo de vida muito mais acelerado, e as preocupações diárias, contribuem também para a redução das brincadeiras a pares e em grupos, pois cada vez mais vemos crianças a preferirem jogar nos telemóveis, tablets ou computadores em vez de trepar ou de jogar às escondidas.  

Importa então refletir sobre o DEVER de cada adulto, ao contribuir para o maior número de experiências enriquecedoras, e mais do que isso, importa acima de tudo, investir tempo de qualidade.

Brincar rima com simplificar, e com isto pretende-se esclarecer que não é o facto de terem muitos brinquedos, pais presentes mas ao mesmo tempo a querem que os filhos acertem as cores, corrigindo-os e interferindo na fluidez da brincadeira, nem frequentar demasiadas actividades extracurriculares, que nos permite dizer que a criança se sente realizada.

Brincar é APRENDER, enquanto fenómeno através do qual se aprende a pensar, se constrói uma identidade e se adquire autonomia.

Esta aprendizagem convém que seja bilateral, uma vez que não só as crianças aprendem através do brincar, como também os pais têm que ir aprendendo a direccionar as brincadeiras, ao longo do seu desenvolvimento, e deixarem-se levar numa viagem ao passado, invocando a criança que há dentro de si.

No geral, o objetivo do brincar é que as crianças aprendam e pratiquem as suas habilidades motoras finas e grossas, a perceção visual, as competências sociais, emocionais e cognitivas. E claro, que se DIVIRTAM!

Há, no entanto, crianças que apresentam dificuldades na manipulação de brinquedos, em compreender a sua função ou em complexificar o seu repertorio de brincadeiras, o que poderá resultar num brincar frustrante para a própria e, consequentemente, num momento de angústia para pais e professores.

Os anos pré-escolares não são apenas ideais para que as crianças aprendam através do jogo, representam também um crítico período no desenvolvimento, ao qual há que estar atentos. Se as crianças não conseguem ter movimentos naturais e experiências de jogo suficientes, irão começar o seu percurso académico em desvantagem. Tornam-se mais susceptíveis a serem desajeitadas, a ter dificuldades em prestar atenção, enfrentam problemas para controlar as suas emoções, utilizam pobres estratégias de resolução de problemas e demonstram dificuldades nas interações sociais.

Quando tal acontece, recomenda-se que procure ajuda especializada, recorrendo a terapeutas ocupacionais com experiência pediátrica, que irão fazer uma avaliação detalhada e perceber se e onde se justifica intervir.

Na sessão de terapia ocupacional, recorre-se ao brincar como meio, visto que esta é a ocupação fundamental da criança, permite criar laços, ganhar confiança e lançar desafios, e como um fim, pela sua importância no desenvolvimento. E ao ser aqui que reside o problema há que alcançar resultados ao nível da maior participação em brincadeiras e, consecutivamente na promoção de aprendizagens de competências especificas.

O terapeuta acompanha também as famílias, peça chave no tratamento, munindo-as de estratégias para desfrutarem de tempo de qualidade dedicado às atividades de lazer, de modo a que aproveitem para estar e dedicar um momento especial a quem mais amam, ajudando assim o seu filho a crescer.

Terapeuta Ocupacional - Patrícia Teixeira

Dr.ª Patrícia Teixeira

Terapeuta Ocupacional

Profissional CSSMH – Unidade de Pediatria