Natal precisa-se…

Este ano é a vez de consoarmos com a família do meu marido. Acontece que este ano, infelizmente e pela primeira vez, nenhum dos meus quatro irmãos pode passar a noite de Natal junto dos meus pais. Um destes dias somos abordados por estes. Insistem que, depois de consoarmos com os meus sogros, passemos a noite em sua casa e durmamos por lá. Com cuidado, exponho a difícil tarefa que é gerir a situação com duas crianças pequenas, de 3 anos e 1 ano de idade. Imagino (e temo) que entre viagens, sonos interrompidos, mudanças de rotina e dormidas em camas estranhas os miúdos nos possam presentear com uma bela noite em branco (muitos casais com filhos pequenos conhecem o drama). Dias depois, os meus pais insistem no pedido. Desta vez, noto na sua voz o tom rogatório. Detenho-me a responder quando percebo que alguém estava a precisar muito do Natal e que, na verdade… o Natal precisa-se!

Natal precisa-se… para (re)conexão social. A pandemia obrigou-nos a uma nova forma de vida que implica o distanciamento e o isolamento social. Para muitos de nós, esta realidade causa estranheza, angústia e até pesar e ansiedade. E isto acontece devido à nossa história e condição humana: evoluímos para sermos criaturas sociais, preparadas neurobiologicamente para (sobre)viver e prosperar em grupo. O desenvolvimento e a manutenção de relações sociais com significado têm um impacto direto no nosso bem-estar psicológico, aumentam o nosso sentimento de pertença, autoestima, confiança e felicidade e funcionam como um fator protetor em relação à doença mental como, por exemplo, a depressão. Tal é o poder no nosso instinto social que quando estamos ou nos sentimos socialmente desconectados, sofremos emocionalmente. A cura para este sofrimento é a (re)conexão social, honrando a nossa natureza ancestral que busca o contacto com o outro (se pensarmos bem, muitos de nós têm-no feito durante este tempo de pandemia através de soluções engenhosas como a participação de concertos online, aulas de fitness à distância, jantares de amigos através do Zoom). Assim, enquanto ritual e símbolo da união, de reencontro, de aproximação da família e das pessoas mais queridas, o Natal pode ter um efeito reparador para as consequências emocionais do distanciamento social.

Natal precisa-se… para dar um significado ao sofrimento e sacrifícios que fizemos durante este período. A tendência evolucionária para a conexão social deixou-nos com este dilema: para conseguirmos vencer este vírus temos que agir contra a nossa natureza inata de interação e de contacto com o outro. Em função do bem comum temos que, paradoxalmente, cooperar para nos distanciar. E para conseguirmos realizar este desafio foi/é importante darmos um significado, um sentido ao sacrifício que o isolamento social implica. Arrisco ao afirmar que, para muitos de nós, o sentido que damos a esta experiência reside na esperança que voltemos a estar juntos novamente, sem condições ou restrições. Por isso, a oportunidade de podermos reunir (responsavelmente) nesta quadra é um reforço positivo em relação a todo este esforço até agora envolvido e, quem sabe, o incentivo, o novo fôlego que precisamos para eventuais sacríficos futuros.

Natal precisa-se… para a nossa estabilidade mental. As tradições culturais e familiares têm o importante papel de fornecer consistência à nossa vida. Atualmente, com uma vida em constante mudança (por vezes em suspenso) e cheia de desafios e necessárias adaptações, as tradições familiares podem dar a sensação de estabilidade e consistência num mundo que agora nos parece de “pernas para o ar”. Procuramos e necessitamos de rotina, de estrutura e de padrões para nos sentirmos seguros. Talvez mais ainda em contextos desorganizados e imprevisíveis como aquele que vivemos atualmente.

Natal precisa-se… para recordar e criar memórias. As memórias vividas e partilhadas em família/com amigos conseguem lembrar-nos sempre do que é mais importante na vida: as pessoas que mais gostamos, os nossos valores e a nossa identidade. É sempre bom lembrar, para não perdermos o rumo em tempos confusos.

Natal precisa-se… para nos ancorar ao momento presente. No panorama frenético em que vivemos, é fácil a nossa mente divagar e ficar presa em pensamentos angustiantes sobre o amanhã, gerando sentimentos de ansiedade. A mudança de rotina e a experiência de conhecidas sensações associadas ao Natal força-nos a estar e a viver no momento presente, e a ter aquela pausa que tão bem nos sabe em alturas de turbulência mental.

Retomando à história do pedido dos meus pais… Desta vez respondo que sim. Que se dane uma noite de sono perdida…o Natal precisa-se!

Unidade de Pediatria

Drª Diana Figueiredo

Psicóloga – Unidade de Pediatria CSSMH