O Adolescente e a Família
A adolescência não é um simples momento de espera até à vida adulta, não é apenas a passagem da infância para a juventude, mas um período de grandes mudanças e dessa busca, compreender-se o que significa adolescência e ser adolescente. Certamente passámos por essas mudanças, quando erámos mais jovens. E vamos vivê-las novamente, só que agora, a partir de uma nova perspetiva, no papel de pai e de mãe. Até aqui, nenhuma novidade…
Recordo-me de um tratado de medicina dos anos 80, que aconselhava os profissionais de saúde, a manterem-se afastados dos adolescentes, até que as hormonas acalmassem! Parecia remeter a saúde dos adolescentes, para a terra de ninguém, até que crescessem…Este paradigma pessimista, remonta a tempos muito longínquos na história humana.
Os adolescentes foram sempre reconhecidos ao longo da história, especialmente pela sua criatividade e energia. Na Roma Antiga, os rapazes eram colocados muito cedo aos cuidados de precetores. A relação familiar era premiada pelo sentimento de posse, onde o filho ganhava ou perdia o direito de herdar os bens da família. Mais tarde, o objetivo da educação tornou-se funcional, preparando o adolescente para assumir a função inerente à sua respetiva classe e por mais simples que fosse, estava carregado de significado social que o validava para aquela comunidade.
A família passou por uma reconfiguração ao longo dos tempos e começou a proporcionar uma proximidade maior entre pais e filhos.
Talvez o século XXI tenha iniciado uma procura pela compreensão e entendimento ímpares, da figura do adolescente, em comparação com os demais, o que não significa necessariamente, a sua valorização.
Há, no início da adolescência, uma atualização das experiências da infância. Na busca de si mesmo e da identidade, será necessária a vivência de alguns lutos: o luto do corpo infantil e o luto dos pais da infância.
O adolescente constrói a imagem do seu próprio corpo a partir da comparação, através do olhar do outro, nomeadamente, dos seus pares sociais.
Com a entrada na puberdade, torna-se necessário que o adolescente construa uma nova imagem do seu corpo, ainda em transformação. Nesse processo de construção, o olhar dos pares sociais, recebe mais destaque do que o dos pais, tornando o adolescente mais suscetível às influências externas à família. Concomitantemente às mudanças corporais, ocorrem alterações no papel social vivido por aquele, principalmente quanto aos direitos e deveres, o que gera angústias e conflitos.
A família é o primeiro agente socializador da criança e do adolescente e nesta fase, há uma mudança significativa na relação pais-adolescente.
Dois aspetos merecem destaque: o adolescente defronta-se com os pais reais e não com os pais idealizados na infância, como heróis e por parte dos pais, há o sentimento de serem preteridos, em relação aos pares dos seus filhos.
Como tentativa de aproximação diante dessa rotura e dos sonhos projetados, alguns pais, constroem um posicionamento, semelhante ao “melhor amigo”, que lhes garanta um lugar privilegiado, tal como anteriormente, quando eram os heróis.
Os filhos lutam pela independência de modo ambivalente (querendo e não querendo) e os pais também se comportam de modo ambivalente, pois ao exigirem a independência dos seus filhos, também o fazem de modo vacilante (querer e não querer).
Alguns pais, tentam fazê-lo com muita rigidez, mas outros há, com uma permissividade extrema, num momento tão importante da estruturação da personalidade. O adolescente quer independência, é certo, mas também quer e precisa de limites e controle.
Felizmente, há muitas famílias que compreendem a adolescência como um processo de mudança na vida do filho e agem, como facilitadores dessa vivência, mantendo uma postura de diálogo e entendimento.
Há vários ingredientes neste percurso.
O amor e os afetos, fazem parte desses ingredientes e são construídos diariamente, na forma como se dá e se recebe.
Senão, vejamos, os pais sabem os nomes dos melhores amigos dos filhos? Quando foi a última vez que foram juntos ao cinema e depois se sentaram para conversar sobre o filme? Ou saíram para um passeio a pé, sem telemóvel nas mãos e conversaram olhando-se nos olhos uns dos outros?
Passamos a vida a correr contra o relógio. O ritmo da vida atual e das tecnologias, são grandes concorrentes e inimigos de um bom vínculo afetivo entre pais e filhos.
Para construir esse vínculo é preciso parar, para ouvir verdadeiramente o que seu filho tem para lhe contar e dar-lhe atenção para comunicarem. E, quanto mais cedo for construído esse vínculo, mais fácil será mantê-lo, durante os momentos mais introspetivos da adolescência. Este vínculo vai garantir a existência de uma relação de confiança, com os filhos.
Embora racionalmente, eles tentem negar isso, todos os adolescentes, precisam sentir autoridade na figura do adulto com que convivem. Nem que seja para se revoltar contra essa autoridade, o que faz parte do processo de crescimento. Quanto mais seguros, afetuosos e consistentes formos na relação, mais seguros se sentirão os nossos filhos. E, é sobre estes alicerces, que eles vão construindo a sua vida.
O adolescente espera dos pais os limites e as regras, o que não significa que ele obedeça. Ter autoridade é diferente de ser autoritário.
Numa relação autoritária, o lado mais fraco submete-se pela força, mas numa relação de autoridade, a construção das regras e limites é conjunta, partilhada e o adolescente aceita-as e compreende que ele tem uma função importante, nesta tarefa do crescer para ser.
Aqui entra também, a capacidade dos pais saberem dizer não. Estes gastam tempo demais longe dos filhos e depois tentam compensar a sua ausência abolindo o não. Ao dizermos não, estamos a ajudar os nossos filhos a aprenderem a lidar com as frustrações presentes e futuras. Ninguém amadurece sem conhecer os advérbios de negação.
Os pais são o modelo e o exemplo, nunca o devemos esquecer.
Num mundo digital, onde todas as respostas estão apenas à distância de um clique, saber esperar é uma coisa cada vez mais rara. Os pais precisam ensinar os seus filhos a saber esperar e a desenvolverem habilidades sociais e emocionais desde cedo.
Saber pensar antes de agir e reagir, colocar-se no lugar do outro e ser capaz de superar as frustrações, são tão importantes para a vida, como uma alimentação saudável ou o exercício físico.
Crescer a saber respeitar as diferentes perspetivas, debater ideias, sem as impor, resolver conflitos e tantas outras coisas que fazem a vida, ajudarão os nossos filhos a serem líderes de si mesmos.
Drª. Alzira Ferrão
Coordenadora do Centro do Adolescente da CSSMH, Unidade de Pediatria
Membro da Comissão Regional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente – ARS Centro
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