O que é isso de ser Mãe?
Muitas vezes se fala de isso de ser Mãe como sendo a coisa mais natural do mundo, algo simples, inato e fruto do instinto. Se, em parte, existe algum fundamento nessas afirmações, isso não reduz a complexidade da tarefa do que é ser Mãe, nem das alterações psíquicas e neurológicas que esta naturalidade exige.
Ainda durante a gravidez, e após o nascimento do Bebé, o mindset da Mãe vai sofrendo alterações, e observa-se que muita da sua energia e atividade mental passa a ser dirigida para o seu futuro Bebé. A Mãe começa a sonhar o seu Bebé, e, progressivamente, quase que a só pensar no seu Bebé. A voltar a ver o mundo pelas lentes de um ser muito pequenino. Este fenómeno é o que Donald Winnicott, Pediatra e Psicanalista, chamou de Preocupação Materna Primária.
No entanto, se as Mães se podem colocar nessa posição, é porque elas já foram um dia Bebés.
É uma espécie de regresso aos seus instintos, e a um modo de funcionamento, que lhe vai facilitar o processo de conhecer o Bebé e o que ele precisa.
Observa-se, em quem exerce esta função materna, um extremo investimento pelo Bebé, esquecendo, em parte, os outros à sua volta, e esquecendo-se também um pouco de si.
Principalmente após o nascimento, coisas como o escolher a roupa para sair à rua deixam de ser uma preocupação maior. Do trabalho já não há memórias, e as relações com familiares e amigos passam a ter uma importância relativa. Até o Pai, que está tão próximo, deixa de ter lugar de destaque para a Mãe. Tudo isto é normal e esperado. No entanto, não deixa de haver um abandono de grande parte do mundo da Mãe, e, ao mesmo tempo, um certo afastamento da realidade, para poder colocar-se ao nível e ao serviço das necessidades do Bebé.
A maternidade não é doença, diz-se muitas vezes, mas às vezes bem que parece.
É esta Preocupação Materna Primária que facilita o processo da Mãe de se colocar no papel do seu Bebé, permitindo-lhe sentir as suas dores, o seu desamparo e as suas angústias. Que as perceba e lhes dê nome. Que as acuda. “O Bebé procura algo, tem fome, está desamparado, precisa de colo, está inquieto, vou-lhe cantar”.
Pode ser difícil colocarmo-nos no lugar do Bebé, mas é a possibilidade de nos conectarmos com ele que enriquece, desde cedo, a sua existência, através dos pequenos, mas especiais momentos, como quando devolvemos ao Bebé a expressão de felicidade que ele traz consigo, ou quando deixamos que nos coloque os dedos na boca enquanto mama, num gesto de reciprocidade e respeito.
Ainda assim, esta entrega é um ato de coragem. De quem aceita entrar num estado natural de doença. Citando Saulo Ferreira sobre este fenómeno: “É preciso estar são para poder enlouquecer e retornar desta loucura, tal como e preciso ser saudável para nos podermos apaixonar pelo amante. Perdermo-nos no outro, e voltar depois a nós.”
No fundo é preciso estar são para nos podermos apaixonar pelo Bebé.
No entanto, existem, não poucas vezes, assuntos pendentes em nós, feridas abertas de alturas das quais não temos memória, que provocam em nós uma resistência involuntária a esta entrega.
Quando não estamos bem, e às vezes há bastante tempo, por exemplo, quando estamos deprimidos há mais tempo do que nos lembramos, é difícil termos condições para a tarefa hercúlea que é ser Mãe e Pai, e então ligamos o piloto automático, que é a parte mais racional e metódica da mente, que toma o lugar da emoção e do afeto, em vez de ambos terem o seu devido lugar.
Observo também em consulta, Mães e Pais que mesmo antes de o serem, nunca conseguiram verdadeiramente relaxar e estarem tranquilos na vida, ou Mães e Pais que nunca conseguiram verdadeiramente brincar. Mães e Pais que nunca conseguiram entregar-se ao prazer de viver, e outros, até, que não se sentem ainda preparados para abdicar de uma parte da vida que fica invariavelmente para trás com a vida de um Filho, e que não assumem, com determinação, o seu novo papel Parental.
Vejo ainda, outros tantos, que cresceram amedrontados e castrados por ambientes rígidos, controladores e pouco flexíveis, e que em adultos ficam, na melhor das intenções, desesperados por descobrir a forma “correta” de educar os filhos, e que muita das vezes recriam, sem se aperceberem, um ambiente pouco natural para se crescer.
Todas estas questões limitam os Pais e Mães na natural e espontânea tarefa de criar um Filho.
Escrevo este artigo porque acredito que para promover um saudável desenvolvimento infantil, é mesmo necessário que os diferentes Profissionais que acompanham o Bebé, vão deitando o olho à sua saúde mental dos recém Pais e Mães, e que estes saibam, que existe sempre alguém que os pode ajudar neste novo desafio das suas vidas, mesmo quando isso implica olhar para problemas antigos e familiares, que, no fundo, sabem que sempre carregaram dentro de si.
Dr. Emanuel Violante – Psicólogo
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